Quem vai fiscalizar?

Outro ponto alvo de intenso debate é qual órgão, afinal, será responsável por fiscalizar a aplicação da lei e, eventualmente, punir as empresas.

Inicialmente, o PL dava ao Poder Executivo a prerrogativa de criar uma entidade autônoma de supervisão, que poderia instaurar processos administrativos e aplicar sanções.

Devido à forte resistência de parte da Câmara, em especial de parlamentares bolsonaristas, isso foi retirado da última versão apresentada pelo relator.

Opositores da medida diziam que esse órgão, ao ser criado pelo governo, seria uma espécie de “Ministério da Verdade”, em referência à instituição descrita no livro 1984, de George Orwell, que controlava de forma autoritária a circulação de informação.

“Sabe esses protestos contra Lula em Portugal, feitos pelos portugueses no Parlamento e nas ruas que vocês estão vendo em vários perfis nas redes sociais? Então, se o PL das Fakes News passar, com apenas UMA DENÚNCIA na sua publicação, o ‘Ministério da Verdade’ que será criado com a lei, irá remover sua publicação”, criticou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), sem explicar como o projeto de lei permitiria isso.

Defensores da proposta tem rebatido esse discurso nas redes sociais. “Pra tentar chamar o #PL2630 de ‘censura’, a extrema direita recorta trechos e joga na tela, sem qualquer interpretação. Não há ‘ministério da verdade’, há sim o órgão regulador, como diversos países da União Europeia estão fazendo. Esse órgão NÃO PODE DERRUBAR CONTEÚDO NENHUM!”, tuitou o influenciador Felipe Neto.

À BBC News Brasil, Orlando Silva disse estar em negociação com os deputados para que outro órgão seja apontado como responsável pela fiscalização. Segundo ele, uma proposta que tem ganhado força é dar essa atribuição à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A mudança, porém, é considerada negativa pela Coalizão Direitos na Rede, grupo que reúne mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil.

“Críticos ao projeto lançaram acusações equivocadas e sem fundamento de que isso (a nova entidade autônoma de supervisão) seria um órgão para dar poder ao governo de dizer o que é e o que não é verdade. Na proposta, essa autoridade teria autonomia e espaços em que diferentes setores poderiam participar das decisões importantes”, ressalta a Coalizão em nota sobre o tema.

Para o grupo de organizações, a Anatel não tem expertise para atuar na regulamentação de plataformas, já que mexe com infraestrutura de telecomunicação e não com gerenciamento de conteúdo.

“A Anatel é historicamente refratária à participação da sociedade civil, o que é incompatível com o modelo de governança multissetorial e colaborativa da internet no país. O que precisamos é de um órgão independente com um conselho multissetorial deliberativo”, diz ainda a Coalizão.

Orlando Silva durante discurso na Câmara

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Relator do projeto de lei na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), durante debate

Imunidade parlamentar

Também gerou polêmica a inclusão no PL de uma proteção às manifestações de congressistas nas plataformas digitais.

A Constituição estabelece que “Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. A última versão do projeto de lei prevê que essa imunidade parlamentar constitucional “estende-se aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada”.

Críticos dizem que a medida dificultará que plataformas digitais removam conteúdos indevidos publicados por parlamentares.

“Parece uma autorização para que os parlamentares, que são grandes propagadores de desinformação, continuem usando suas redes para distribuir essa desinformação”, disse à Agência Brasil Ramênia Vieira, coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Já a Coalizão Direitos na Rede não vê problema na medida.

“O texto reitera o princípio da imunidade parlamentar já estabelecido na Constituição que protege deputados(as) e senadores(as) por suas opiniões, palavras e votos. No texto do PL 2630, reitera-se a imunidade parlamentar material, ou seja, que abrange apenas dentro do exercício do cargo”, avalia a Coalizão em nota.

“Dessa forma, o texto da lei não expande a imunidade já prevista nos termos da Constituição, apenas reitera que as proteções existentes valem também para as manifestações digitais. Além disso, em caso de ação judicial, o alcance dessa proteção fica sujeita à interpretação do STF”, diz ainda a Coalizão.

Pessoa usando celular

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Projeto prevê que imunidade parlamentar também valha nas redes sociais

Remuneração de conteúdo jornalístico

Durante a tramitação na Câmara, o PL das Fake News passou a prever que as empresas remunerem conteúdos jornalísticos que circularem em suas plataformas.

A proposta estabelece que terá direito à remuneração qualquer empresa em funcionamento há ao menos 24 meses, mesmo se individual (apenas um jornalista), que “produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil”.

Caso o texto seja aprovado, a negociação poderá ser feita de forma individual entre veículos e empresas, ou de forma coletiva.

Os detalhes sobre como isso será feito, porém, serão fixados em regulamentação posterior. Mas o PL estabelece que essa regulamentação “disporá sobre arbitragem em casos de inviabilidade de negociação entre provedor e empresa jornalística” e “deverá criar mecanismos para garantir a equidade entre os provedores e as empresas jornalísticas nas negociações e resoluções de conflito, sem prejuízo para as empresas classificadas como pequenas e médias, na forma do regulamento”.

“Como já ocorre em outros países, a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia pode ser um elemento decisivo para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia”, diz nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ).

O projeto de lei estabelece ainda que “o provedor não poderá promover a remoção de conteúdos jornalísticos disponibilizados com intuito de se eximir da obrigação de que trata este artigo (a remuneração), ressalvados os casos previstos nesta Lei, ou mediante ordem judicial específica”.

Críticos desse trecho consideram que ele blinda empresas jornalísticas de terem conteúdo removido, em caso de desinformação, por exemplo. Hoje, as plataformas removem por conta própria conteúdos que firam suas diretrizes internas.

“Plataformas terão que remunerar os veículos de notícia por qualquer conteúdo noticioso que os usuários publiquem. Isso significa que as plataformas serão obrigadas a remunerar inclusive veículos propagadores de notícias falsas. O projeto de lei também proíbe que as plataformas removam este tipo de conteúdo, portanto, o PL cria um ‘custo compulsório’ para as redes. Pior: qualquer veículo que exista há dois anos - e mesmo que seja uma empresa individual - terá que ser remunerado”, criticou por meio de nota a Câmara Brasileira da Economia Digital, que tem entre seus associados empresas como Google, TikTok e Meta.

Em um comunicado próprio, a Meta diz ainda que a falta de uma definição sobre o que é “conteúdo jornalístico” cria riscos. “Isso pode levar a um aumento da desinformação, e não o contrário. Imagine, por exemplo, um mundo em que pessoas mal intencionadas se passam por jornalistas para publicar informações falsas em nossas plataformas e sermos forçados a pagar por isso”, disse a empresa em um comunicado.

Como alternativa ao proposto no PL, o Google defendeu “a possibilidade de um fundo de inovação para o jornalismo, administrado de forma independente, que inclua contribuições de empresas de tecnologia”.

“Um fundo como esse pode ajudar a garantir a sustentabilidade e independência ao modelo de fomento do jornalismo de qualidade no Brasil. Esse fundo poderia oferecer financiamento de acordo com critérios mensuráveis e claramente definidos, benefícios para toda a indústria – em vez de apenas alguns veículos ou grupos específicos, e pode estar sujeito a supervisão independente, impedindo a tomada de decisões políticas”, defendeu ainda a empresa.

Remuneração de direitos autorais

Pessoas usando celulares

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Novidade da última versão do PL é a previsão de novas regras para remuneração de conteúdo protegidos por direitos autorais, como músicas e vídeos

Outra novidade da última versão do PL é a previsão de novas regras para remuneração de conteúdo protegido por direitos autorais, como músicas e vídeos. Artistas têm realizado ampla campanha nas redes sociais a favor da aprovação desse ponto.

“Quando a profissão dos atores foi regulamentada 45 anos atrás não existia internet. O ator recebia para trabalhar numa novela, numa série, e isso era exibido uma única vez, ia ao ar, e pronto. E hoje em dia, com a internet, o que acontece é que nosso trabalho fica disponível ad infinitum”, disse o ator Caio Blat ao canal CNN Brasil.

“Com as novas plataformas, você pode assistir novelas antigas, filmes antigos, filmes novos, e essas imagens vão ficar disponíveis infinitamente para assinantes, e vendendo publicidade, e os atores não recebem seus direitos autorais, os direitos conexos, referentes a sua própria imagem, a sua própria voz, ao seu trabalho de interpretação que está fixado ali” afirmou ainda o ator.

O projeto de lei, porém, prevê que uma regulamentação futura vai abordar “os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do conteúdo nacional, regional, local e independente”. A novidade também provocou reação das empresas.

“A última versão do projeto propõe, pela primeira vez durante toda a tramitação do PL 2630, uma complexa mudança no sistema de direitos autorais, que não se relaciona com o restante do escopo do projeto, que é o combate à desinformação”, criticou a Câmara Brasileira da Economia Digital.

“Qualquer alteração nesta Lei, ainda que necessária, deve ser precedida de amplo debate público. Caso contrário, aumentam-se as chances de incertezas jurídicas e prejuízo ao que já foi construído até hoje”, defendeu ainda a instituição que representa empresas do setor.